Summer 78

sábado, 29 de outubro de 2011

Exacerbação

Existe alguém em mim
Com o qual me consigo identificar,
Um passado apagado
Que me deixa a flutuar.
O que é feito de mim
Já nem sei descrever,
Mas custa-me crer no que me tornei.
Herdei ações mundanas e perdi valores.
Vivo como se não vivesse.

Todo o instante é banal,
Desprovido de êxtase.
Só me resta a chuva para sentir.
Isto porque existe uma razão
Em cada senão que profiro.

A consciência tornou-me demente,
Imoral perante a minha moral.
A sociedade vê-me desde que eu não existo.
Os defeitos são-me elogiados
E eu retribuo-lhes os elogios,
Com a ausência assídua
Nos encontros perdidos.

Muletas de Istambul




Tantas e quantas são as pessoas
Que te enchem o dia de simpatia
E vão-te afastanto da mais tenra poesia?
A mais tenra e saborosa
Que transforma a alegria em almofadas de sufoco,
Vira o norte para sul
E amanhece noites frias
No sudoeste de Istambul.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Saudade do que não foste


És a constante do mistério
gravemente ferida pelo meu império.
Moves o mundo num gesto subtil,
que me agrava a demência
e me perdura o abandono,
numa tamanha independência
que se diz desastrosa.

A verdade da tua mentira
chega a ser comovente.
Deixando-me num estado anti-cético,
quase me convertes em crente.

Mas como toda a crença
em mim não perdura,
depressa te afogas
no meu declive de amargura.

Juntamente com mais um trago,
vais descendo lentamente.
Depecionaste o teu futuro
traindo o meu presente.

E a cada dia que passa
te vejo menos latente,
porque até o meu olhar
se tornou gélido e dormente.

Velho amigo

Recandidata-te ao lugar.
Lucra no presente sem me poupar,
como eu não te poupei a ti no passado,
quando não me pareces-te acertado.

Traz o teu dom cordial,
que eu já canto só de pensar.
Há-des voltar amigo pardal,
a este pequeno círculo
que ateimo chamar lar.

E ainda que justificado,
o teu gesto calculado
pelo medo que te atormenta,
não deixa de ser calculado
o jeito com que dobras os capítulos.

Pobre de ti amigo pardal
que não sabes da fatalidade
que te é ser animal,
nunca saberás o que te digo.

Tudo o que tu sabes é voar
entre os planaltos lisos
e as estepes curvas
dos corpos das mulheres.

Não vais de certo voar
no emaranhado cúbiculo apertado
que me assenta os ombros.

Amigo pardal,
serás no entanto recordado,
quando à minha janela passares,
como o pardal inconsciente
que voava sobre os mares.

Sons do silêncio



Ó noite que vens mansa,
O que nos trazes hoje em segredo?
A tua alma é feita de silêncio
e o teu sabor me dá medo.

O mundo aquando calmo é tão natural.
Parece quase surreal esta calmaria.
Assossega-me a alma esta noite,
que não tarda se converte em dia.

domingo, 29 de maio de 2011

Reckoner

Achei-me numa saudade deste conforto, partilhar sem me preocupar, daquela forma que não deixa tempo a pausas, na qual não me interrogo, deixando-me ser, onde espaços vazios se preenchem a rir, com vontade, a viver-vos simplesmente.
Tenho vindo a treinar-me,sem propósito, deixando a espera pelo futuro e fluindo o presente.
Lembro-me de quando achei que preferias estar certo a ser feliz e assim considerei-te fragilmente cristalino. Recordo-me ainda de quando me apercebi que ao invés do que achava a principio, descobri que és feliz apenas por estar certo,
resumindo-se tudo a um minúsculo traço que crias e recrias,
onde apenas te encaixas numa solidão que nem vês.
Ainda que caminhem nele tantos quantos determines és tu que o dominas, e assim vais citando as trevas, desenhando uma farsa calculada, persuadindo espectadores desprovidos de conhecimento que te vêm como um seguidor.
Podias até escrever leis ou defender arguidos, creio agora que é exactamente a tua medida. Esse teu jeito natural de manipular faz de ti alguém diferente ao comum. Julguei sempre a diferença uma qualidade e graças a ti passei, ainda que raramente, a considerá-la um defeito.

sábado, 30 de abril de 2011

Falácia Viva

No topo do seu mastro
No esplendor da sua sombra
Cobriu-se o sedento de desculpas
Dizendo que ao engano me revelou o defeito da sua nascença
Sem sequer conhecer o segredo da minha existência
Julga-me crente da sua presença
Quando creio apenas na mentira da sua inocência.

Vestia-se como dizia-se
Falava-me como se via
Só não me entendia
Quanto mais me dizia ser
Menos se parecia
E por fim ao descoberto
Tempo deitado ao mar.

Ainda assim me levou a pensar
Estar à altura da sua forma
Que em tamanho tinha apenas o obscuro
E à vista creio, nada
Com certeza me parecia
Tudo o que não se via
E assim me deixou revelar que somente se dizia
Aquilo que queria
E entre o que parecia
Conclui,
Diletante seria.

E na hora de prestar contas
Nada me é afinal
Apenas a lembrança que quanto mais se julga saber
Mais ignorante se fica.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Se assim fosse...

Ser eu por mais um dia, uma vez mais. Que saciante sumo de vida é este que tomo, é tão brilhante ver o sol por trás da lua, crescer e ver crescer. Receber o diploma após a luta, a mão depois da queda. Agradecer cada dia, porque é tão belo saber reconhecer o mal, olhar para trás sem saber o que vem em frente. É bom ser-se fiel em todos os momentos, por muito mal que haja em torno de nós.
Este ciclo, e tantos é pouco para descever o número que por ele passam, e não há duas pessoas iguais.
Não é incrivel o outono? Aliciante o verão? Ternurento o inverno? Talvez irreal, sonhador, mas feliz, sobretudo feliz. E não é isso o que mais importa no final do dia?

Livre verdade

Liberdade, conceito reduzido e simples que pode tomar inúmeros significados e que nos permite viajar de formas amplamente complexas. Uma flor pode permitir-me ser livre, uma folha branca de papel e um grosso lápis também, talvez até um discurso onde me elevo e expresso a minha singular opinião. Quem me dera ser livre de espírito, liberto de todos os tormentos, preconceitos, mágoas e cicatrizes. Gostava também de ser livre de rotinas, guiar-me apenas pela vontade de viver, dar vivacidade ao meu espírito impulsivo e impetuoso em vez de o esconder, e poder ser ainda, totalmente franco em qualquer circunstância. Livre para construir um mundo diferente onde não habitam políticos traiçoeiros, manhas, economias instáveis, bajularias, sorrisos forçados, materialismos, mentiras adocicadas, hipocrisias, presentes supérfluos, enfim, uma série de pertinentes problemas que me consomem o pouco juízo que possuo e me envelhecem a casca. Gostava de viver num mundo onde não existissem relógios, onde qualquer forma de vida apenas se guiasse pela luz do Sol, mundo esse onde seriam enaltecidos valores como a honestidade, a contemplação da natureza, a observação, os laços de afecto, o respeito, a união, a devoção e acima de tudo, a harmonia. Mas a liberdade é uma utopia. E como qualquer utopia, é desejada por muitos inclusivé por mim, mas jamais será alcançada.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Decomposição&Metamorfose

Um pequeno quasar num corpo tão jovem como o dela, um coração enorme pronto a doar todo o seu amor, uma alma puramente intensa, dócil e inocente a todas as roletas maquiavélicas de sedução. Uma flor a brotar os seus botões, uma delicada rosa à espera de ser colhida pela vida. Uma brisa suavemente gélida a desgrenhar lentamente os seus longos cabelos. Aquela face carregada de alegria e um sorriso cristalino vindo da nascente do rio. Criança esta que nada sabe sobre o custo da vida. Desconhecendo a fatalidade do seu destino e toda a maldade que paira sobre o ar, dedica-se a quem todo o seu amor lhe dedica. Vejo-a coberta com uma nuvem negra, carregada de lágrimas e sentada sobre aquele penedo altivo a gritar “sou tão feliz aqui”. Num acto reflexo estendo-lhe a mão, tentando alertá-la da nuvem que sobre si paira, notando de imediato que não posso atingi-la, é inabalavelmente inalcançável. Tirar-lhe a felicidade é crime que não ouso cometer, aquela desejada e inocente felicidade que a faz mover-se. E, como um fantasma fico a observá-la, o tempo todo, atentamente, recordando-a. E então apercebo-me de que um dia, no passado, aquela jovem esteve em mim. Atirando-se do penedo, gritando à liberdade, vejo-a cair, desfazendo-se e nada é o que posso fazer para a acudir. Não sei o que se segue. Assimiladas as mágoas, estorquidos os sorrisos, a ilusão e todos os momentos de bravura, a criança que enganada pela sua bondade abandonou os pés do penedo, não pôde bater as asas de borboleta que julgava possuir. E a queda, essa, foi lenta e progressiva até que atingiu o solo chegando à fase da metamorfose. Assim, uma parte, a melhor parte do seu ternurento e preenchido espírito morre, juntamente com os sonhos que não viu concretizados.

Há dias que não são dias

É véspera de dia de alegria, não consigo parar de soprar. Os bilhetes no centro da escrivaninha, as horas a voar numa corrente decrescente, a inquietação a apoderar-se da lógica. A passagem é já e eu a crer que não haveria de chegar. Esta prisão do passado é pincel de sofrimento a sujar uma tela ora de vermelho ora de negro.
Um certo luto que convive com a noite, uma certa saudade que domina a vista de dia. Não há novo a dizer senão o velho que me enche, preenche e esvazia. A paixão pela vida é coisa dos outros, sei lá eu bem o que significa. Levaste-me tudo deixando apenas a apatia. Quero apenas uma nova consciência, outra vez a inocência. Embarcas-te numa viagem infinita deixando-me com as lembranças de que um dia fui livre.

Sem Rima


Não fosses tu poeta sem remessas,
Não fosse eu escritora sem linhas,
Casal amargo de sonhadores,
Viveria da tua realidade,
Beberias toda a minha insanidade e,
Juntos,
Cavalgariamos mundo fora,
Num todo quase tão perfeito como utopia.
Assim exposto o que nos foi imposto,
Mais vale contemplar o vazio
Do que olhar o desvario.

Reviver-te

Um acesso rápido, uma paralesia, dois pedaços de sufoco e subitamente aproxima-se, profunda como a lembro. Nos olhos carrega o desespero do vácuo que traz a sua alma. Trémula, num gesto de todo escusado, levo as mãos à razão para impedi-la de regressar. Dirige-se a mim num passo apressado sem hesitação. Afunda-me o peito com um simples sussuro, tão naturalmente como se de ficção se tratasse, numa tentativa de despertar-te em mim. Recorda-me imagens escritas, músicas cravadas no eterno, palavras místicas, sinceros desejados sorrisos e ternos inocentes carinhos. Teletransportando-me a um passado que não mais me pertence, passado que não consigo tornar presente, onde vives-te quem fui, onde me embebia de ti e criavamos um nós. Já mais não creio em ti, perdoa-me. Não posso cometer o mesmo sabor, o único que me torna no que sou. És demasiado para te ter em mim, só te quero feliz. Se pudesse descrever a afeição que tenho por ti, diria mágoa, e num murmúrio talvez gratidão. É tudo o que tenho e consigo dar, não sei outro jeito. Aterra-me saber que te tenho gravado numa cassete e que não te posso reviver. Devo deixar quem foste, quem não és mais. Talvez lhe chame cobardia, mas a minha humanidade não me permite avançar de outra forma. Tu, tudo lhe ensinas-te, sempre lhe acreditas-te, protegeste-a incondicionalmente, ensinaste-a a voar. Tu, que a deixas-te ao abandono, roubaste-lhe o abraço, levaste-lhe a pureza, ensinaste-me o ódio. Tu, foste um profundo afecto no seu mais puro estado e, és uma memória que me traz tristeza. Uma ferida fechada que teima em se abrir e por vezes o inverso, uma profunda cicatriz que consigo sentir, julgo eu, já não tenho certezas. Já não sei se sei o que é sentir, acho que me perdi entre mim e ela. Foste uma utopia, um sonho dilacerado, veneno e por fim… um imenso buraco negro a que teimo chamar saudade.

A ti, uma vez mais.

Empty spaces

Tainted old stories resounding in my mind,
What shoud I do,
What should I say?
Stop thinking,
Stop blinking?
May I let it all behind,
May I forgive myself?
I only have today,
Yesterday is gone,
Today is tomorrow
And,
Pain is temporary,
Proud is forever.

Viela Perdida


Tomei como certo o cálice da tua essência quando dela bebi
Embebedei-me do teu vinho
Saí por aí
Vasculhei todos os recantos
Todos os poços denegridos de almas perdidas
Todos os becos dos outros
E, tu uma vez mais
Um cigarro para me encher os pulmões
Uma folha para me esvaziar a alma
Não te encontrei
Nunca existes
Sozinha a ver a esfera
Os capítulos dobrados
As páginas escritas
Mais tempo queimado em vão
Devaneios meus
Certezas as deles
Tantas, tão poucas
Nasci perdida,
Cresci para te ver perder.

Dialecto de Ternura

Não compreendes que uns brilhantes sapatos só vislumbram o teu exterior e consequentemente deteriorizam o teu interior? Não é mais uma resposta certa perante uma multidão atenta que faz de ti um ser sábio. Minha pequena e delicada gota de orvalho, onde vais tu nestes dias em que de ti tanto preciso? Porto de abrigo meu, devolve-me esse abraço que em tempos retiraste e não sabes mais trazer. Vem ensinar-me o que é belo nesta esfera, que hoje eu não sei mais ver. Este orgulho que de todos é um pouco, não lhe vejo ponta de significado. Um sorriso fingido, um outro grito de alegria supérflua que nem sequer de alegria devia-se tratar. Onde está a única felicidade que outrora revelaste?

Revolução de Ideiais

Caros colegas sortudos e mimados, vivemos numa sociedade privilegiada, onde a fome não abunda, a guerra não nos extermina, onde o bem não se conquista com suor, onde tudo é facil e acessível. Porém não devemos ficar-nos pelo que antes de nós conquistaram. Muito trabalho tiveram os patriotistas que nos antecederam, para obter o conforto que hoje temos nas nossas vidas, devemos homenagea-los e tentar cessar a guerra que ainda abunda o nosso quotidiano. A violência do conformismo que nos impede o desenvolvimento e nos trava a capacidade de sonhar, a violência das palavras que nos são proferidas e ensinadas, a eloquência e altivez que é colocada nos discursos, a falta de senso-comum, todo e qualquer gesto que não deixamos revelar pela prevenção da crítica, a aniquilação da bravura e coragem na educação. Devemos contrariar o hoje em prol de um amanhã melhor, sem que profecias nos encham os dias, procurar a perfeição. O que há de bom temos de vangloriar, e o mal não é preciso contornar mas sim deteriorizar ao invés de taparmos os olhos e o aceitarmos como um simpático parasita que nos habita a casca.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Orquídea Negra



Reescrevo-me ao escrever-te. Não é um capricho dar asas ao ilustre génio, cultivar a imaginação. Hoje vou voar contigo e no teu peito flutuar como pena que não assenta, como poeira que paira solta no ar. Ser manto de ti segura, quando sempre fui o calor de alguém. Fazer de outra noite escura, o sorriso de ninguém. Aquando o fogo acabar, recria-me igual sem menos ou mais pormenores, vê-me assim como em mim eu não vejo. Sob a forma suave da negra orquídea, solta-me o veneno que em pleno se dispersa, condensa-o num copo e bebe dele o teu também. Traz-me um prato vazio e faz-me encontrar-te tesouro. Mas vem carregado de silêncio ou de ti farei cinza que colherei noutra noite fria para poder queimar com ardor outro medo mundado de ser pedra de congelador.

Parar, morrer

Vem limpar-me as lágrimas, diz-me que faz sentido ser egoísta e que não é este o rumo que quero para mim, vem pousa-la e protege-me no teu abraço, ensina-me outra solução porque esta vai levar-me. Entra pela porta agora por favor, repete-me o quão fantástica sou, ilude-me com as tuas mentiras, ilucida-me dos devaneios em que estou metida. Rápido, porque o peso deste corpo que carrego na mão vai levar o peso que venho à tanto a carregar. Ajuda-me antes que opte pela via rápida, antes que tire de mim para sempre a opção de escolher. Chega agora antes que o puxe. Vou-te aguardar uns minutos, já esperei dias, meses, anos…
Aonde vou eu se não chegas? O peso vai-se em segundos, é tão tentador.
Onde estás? Não vais chegar, embarcaste numa viagem ao eterno e deixaste-me para trás.
Adeus.

(E a mancha vermelha estende-se ao longo do chão.)